Introdução
Órfão social é um termo que cruzei pela primeira vez no site Psychology Today em 2024 e que define minha situação emocional para além de cultural: alguém sem nenhum tipo de apoio familiar ou suporte para lidar com as adversidades da vida.
Usado para descrever a situação vulnerável de crianças que fogem de casa ou que crescem sem a ajuda dos pais, mesmo se estiverem vivos e forem conhecidos, uso o termo para ilustrar como é viver como eu vivo: sem laços fraternais para encarar desafios ou dividir vitórias.
Minha história como órfão social
O primeiro trauma do abandono aconteceu quando minha mãe biológica me deu para um casal quando eu tinha poucos dias de vida.
Cresci tentando cumprir o papel de filho perfeito para fazer valer o esforço da minha mãe adotiva de ter criado um filho que não era dela, temendo diariamente a possibilidade de ser abandonado pela segunda vez.
Quando meu pai teve um derrame, minha mãe precisou trabalhar para nos sustentar, então fiquei em casa cuidando do meu pai até o início da minha vida adulta. Foi o que me motivou a aprender como trabalhar de casa.
talvez você queira aprender
Como Ganhar Dinheiro Escrevendo na Internet de forma honesta e comprovada!
Pouco depois de completar meus 23 anos, minha mãe adotiva me expulsou de casa sem nenhum aviso prévio. Não coincidentemente, eu estava começando um relacionamento sério que durou 6 anos, e a razão para a expulsão foi a de que eu me tornei “alguém diferente”.
Essa traição foi traumatizante. Especialmente após duas décadas dedicando minha vida a ser aprovado por ela e pelo resto da família ao cuidar do meu pai — família essa que nunca me aceitou por eu ser adotado e homossexual.
Eu tive de sobreviver a alguns anos de terapia para entender que além da pobreza na infância, a causa da minha depressão crônica era o medo de ser abandonado novamente.
Quando tal medo se tornou realidade pelas mãos de alguém que nunca imaginei que faria algo desse tipo comigo (não conscientemente) eu mudei de país, de estado, de nome e de rosto na intenção de apagar o passado e começar uma vida nova.
Apesar de tantas mudanças radicais, meu processo de cura só começou de verdade quando li o livro “Rules of Estrangement” e busquei terapia para entender o luto familiar que sinto até hoje e que sentirei por anos no futuro.
Eu e minha mãe adotiva nos encontramos algumas vezes após a expulsão e pedimos desculpas um para o outro. Mantemos contato pelo WhatsApp, mas de maneira superficial e esporádica.
Meu pai adotivo, vítima das sequelas do derrame, não teve participação em nada disso além do sofrimento causado pelo distanciamento.
Cheguei a voltar ao Rio de Janeiro na esperança de reconstruirmos nosso relacionamento e dar uma mão com os cuidados do meu pai, mas ficou claro que eu e minha mãe nos tornamos incompatíveis.
Cheguei a ouvir que “depois que meus filhos crescem, tenho dificuldade em dar carinho”. Eu me defino como o oposto, então ficou óbvio que quando um não quer, dois não brigam nem fazem as pazes.
Depois disso, voltei para a vida de solitude pela qual me apaixonei ao me tornar autossuficiente pela primeira vez em 30 anos e passei a dizer que não tinha família ao conhecer gente nova porque é assim que eu me sinto desde pequeno: rejeitado.
Se perdeu na vida? Leia…
Consequências de ser órfão social
Apesar de eu ter perdoado minha mãe adotiva por ter me expulsado majoritariamente para me ferir, e apesar de ela ter perdoado a mim por ter sido um jovem adulto despreparado para ser adulto — algo que ninguém me ensinou como fazer — nosso relacionamento jamais foi o mesmo.
Hoje sei que meu amor pela minha mãe adotiva é incondicional no aspecto em que não preciso que ela seja isso ou aquilo para que eu sinta o desejo verdadeiro para que ela cresça e encontre paz.
Por outro lado, minhas expressões de carinho, que eram constantes e parte do meu papel de não querer ser abandonado ao fazer de tudo para agradá-la, ou até minha obrigação autoimposta de salvá-la de uma vida miserável, deram lugar ao cinismo de que é cada um por si na vida.
Isso me tornou alguém mais generoso, porque hoje minha empatia se estende a toda pessoa sem suporte. Ainda tenho o potencial de confiar e normalmente dou 100% de confiança para qualquer estranho que conheço, diminuindo esse número a cada ação de má fé.
Mas posso afirmar que esses abandonos de duas mães em duas décadas, danificaram permanentemente meu otimismo em relação à estabilidade de como as pessoas me tratarão no futuro: após eu deixar de ser uma novidade que diz “sim” para tudo.
Consequências em relacionamentos românticos
Meu relacionamentos românticos acabam no instante em que meus parceiros não entendem que eu não acredito mais em “amor” e que o “para sempre” sempre acaba. Vivo um dia de cada vez, aproveitando o que temos enquanto temos, sem planejar para muito além do presente.
Parceiros confundem esse realismo com desinteresse e costumam desenvolver paranoias sobre minha fidelidade.
Como muitos dos homens que conheço têm famílias próximas — feito a maioria dos brasileiros quando em comparação com países do hemisfério norte — mas homofóbicas, sou eu quem decide romper relacionamentos quando fica óbvio que serei rejeitado em comemorações gregárias como aniversários, natais e viradas de ano novo.
Por mais que eu seja socialmente privilegiado no que diz respeito à minha aparência no contexto cultural brasileiro e sobre meu acesso ao desenvolvimento intelectual, levo uma vida significativamente mais solitária do que qualquer outra pessoa que conheço — seja ela de qualquer gênero, classe social ou espectro sexual.
Conclusão
Há tantos causos a mais sobre eu ter assumido o status de “órfão social” que fica impossível resumir em um conteúdo breve feito esse. O que você precisa saber é que a solidão é verdadeira e precisa ser ressignificada para se tornar solitude. Caso contrário, o isolamento pode ser fatal, levando ao suicídio e/ou dependência química.
Hoje entendo que viver a experiência da “família unida” que a maioria das crianças brasileiras vive é impossível porque não sou mais criança. Isso fica ainda mais claro porque não tenho interesse em desenvolver relacionamentos românticos que resultam em dividir uma casa, casar ou ter filhos, já que não quero abrir mão da independência emocional.
Solitude é viciante, seja como um momento de prazer ou como mecanismo de defesa contra a solidão.
No instante em que você descobre que pode fazer absolutamente tudo sozinho; do seu jeito; nas suas regras, o mundo se torna o coliseu mais sangrento possível — mas um, no qual, é você quem está vencendo as batalhas.
Ao mesmo tempo, a falta e o luto continuam no peito, ditando não só como você responde ao mundo, mas como o mundo responde a você.
Sinto que esse assunto não é comentado o suficiente, por isso publico conteúdos na internet para servir como exemplo às pessoas feito eu — pessoas que não tiveram no passado as referências de possibilidades positivas que, após décadas de lágrimas, sangue e suor, eu finalmente me tornei para mim.
Deixe um comentário